Carta ao Presidente
Carta ao Presidente
Carta ao Presidente

Carta ao Presidente transcrita na íntegra em discurso na sessão da CAMARA DOS DEPUTADOS pelo deputado Federal Nadyr Rossetti do Rio Grande Sul no dia 12 de Junho de 1972. Logo em seguida este corajoso deputado veio a ser cassado pela ditadura militar.
PRISÃO E MORTE DE RUI OSWALDO AGUIAR PFUTZENREUTER. O Documento leva o nome:
"São Paulo, 16 de maio de 1972.

Senhor Presidente,

Dirijo-me a V. Exa. como o mais alto dignitário da nação, assim como neste momento me dirijo a todas as autoridades competentes para expressar a mais profunda indignação pela morte, em circunstâncias misteriosas, de meu filho Rui Oswaldo Aguiar Pfützenreuter nas mãos da polícia política no Estado de São Paulo. Solicito que V. Exa. com a autoridade que dispõe intervenha para esclarecer os fatos e punir os responsáveis.
Relato a seguir os fatos que cercam sua morte e forneço dados que permitirão compreender e facilitar as investigações:
Sou Exator federal aposentado, resido com minha família no sul de Santa Catarina, na Cidade de Orleães. Meu filho Rui há doze anos saiu de casa para estudar em Porto Alegre, onde concluiu o curso de jornalismo na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em 1964. Visitava-nos periodicamente desde que residia em São Paulo há seis anos, onde trabalhava na firma Equiplan.
Há dias fui avisado de sua prisão pela polícia política em circunstâncias nebulosas pois nunca mais foi visto, sendo porém líquido e certo que fora detido por volta, ou mais exatamente no dia 15 de abril.
Em São Paulo, para onde me desloquei imediatamente, apesar do meu precário estado de saúde me dirigi à Operação Bandeirante e ao DOPS, no dia 7 deste, onde me informaram: 'nada consta'. Após buscar todas as formas imagináveis de localizar meu filho me dirijo novamente ao DOPS no dia 11, onde mais uma vez recebo uma resposta negativa e daí à OBAM onde, indignado e ansioso, faço um apelo dramático em alta voz que me dêem notícias de meu filho, que pelo menos reconhecessem sua prisão e que me dissessem quando poderia estar com ele. Nada disso quebrou a frieza dos funcionários, nenhum deles - e todos sabiam da 'via crucis' que se tinha transformado a minha vida - nenhum deles se dignou a dizer um a, uma orientação para localizá-lo, nada. Nenhum deles disse o que todos sabiam e que temiam e temem que venha a público. Deste organismo (OBAM) me dirijo numa última tentativa ao Instituto Médico Legal, onde simplesmente nos informam que Rui deu entrada (em linguagem clara: morreu) no dia 15 e no mesmo dia foi enterrado no cemitério Perus. Às minhas perguntas, e quantas perguntas não fazem os pais em horas como estas?, responderam simplesmente: 'vá ao DOPS', inclusive para obter autorização para retirar o atestado de óbito, como também autorização para transportar o corpo para sua terra natal. Dando-me o funcionário de nome Jair Romeu um papel com o nome do Dr. Tácito, que era a pessoa que deveria procurar no DOPS. No DOPS, o Dr. Tácito me diz desconhecer o caso e que passasse na próxima segunda-feira (dia 15). Na data marcada lá estive, enviando-me o Dr. Tácito ao Dr. Bueno que me exibiu entre diversos papéis o atestado de óbito e uma fotografia de meio corpo de meu filho depois de morto. Nesta fotografia aparecem duas nítidas manchas escuras, uma na face e outra no peito. Indicou-me este senhor o cartório onde deveria pegar o atestado de óbito. Informo ainda que sob o nº 2.044 da fls. 521 do livro de registro do I.M.L. está o nome de meu filho assinalado por duas setas vermelhas e entre parênteses a sigla 'DOPS'.
No atestado de óbito consta como causa da morte: Anemia aguda traumática, atestado este firmado pelo Dr. Isaac Abramovich.
O que me causa muita estranheza, Sr. Presidente, é o fato do atestado não explicitar o motivo que causou esta anemia. Junta-se a isto os detalhes (manchas escuras) que aparecem na foto, eu pergunto que tipo de tratamento teve meu filho antes de falecer? Ou mesmo, o que causou concretamente sua morte? Conforme tem noticiado de forma limitada, a imprensa denuncia de maus tratos a presos políticos. Levanto sérias dúvidas se meu filho não teria sido torturado antes de morrer, ou se não morreu exatamente em conseqüência de torturas?
No cemitério me informaram que foi enterrado no dia 19, contraditório com a informação do I.M.L. de que teria sido dia 15.
Quem não deve não teme, Sr. Presidente, tenho o passado limpo, de serviços prestados à Nação e a consciência livre para exigir a punição dos assassinos. Se amanhã alegarem que a polícia política nada tem haver com isto, pergunto desde já: Por que buscar autorização para o atestado de óbito no DOPS e não no IML que é o órgão responsável?
Sei que nada, é evidente, nenhuma medida devolverá a vida de meu filho e ele ao nosso convívio. Mas é que eu, como pai que corri de repartição em repartição, de negativa em negativa e encontro meu filho barbaramente assassinado, me sinto solidário com outros pais que encontrei na porta das prisões ansiosos por seus filhos e que poderão estar, quem sabe, na mesma situação de meu filho. E se tomo a iniciativa de denunciar e usar todos os canais legais para punir os responsáveis e conseguir dar a meu filho um enterro digno em sua terra natal é para que amanhã outros pais não tenham que amargurados e silenciosamente enterrar seus filhos. Como se fosse possível enterrar junto com seus corpos as suas idéias, suas lembranças e a força renovadora de sua juventude.
Uma grande lição a vida me ensinou, e meu filho mais que ninguém a lição da solidariedade humana.
Senhor Presidente, tendo em vista os fatos expostos, nós, os pais de Rui, inconsoláveis, apelamos a Vossa Excelência no sentido de determinar urgentes providências que permitam a transferência do corpo para sua cidade natal, a realização de exame por banca de médicos legistas que permita saber concretamente a causa mortis e a imediata punição dos responsáveis.
Entrego às vossas mãos o problema assim como a minha segurança pessoal e a de minha família.

Atenciosamente. - Osvaldo Pfützenreuter."

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